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Exigências do Mercado para Produtos da Biodiversidade Brasileira: comentários iniciais

Atualizado: 19 de abr. de 2023


Uma das principais exigências do mercado de insumos da biodiversidade no Brasil e no mundo é a adequação dos produtos in natura ou semiprocessados, aos padrões agroecológicos, denotando um crescente interesse do cliente final por produtos advindos de fontes renováveis e rastreáveis.


Essa exigência vem se somar aos desafios iminentes da produção, tais como: ampliação de escala, evitação da comoditização e aplicação de técnicas baratas e mais eficientes que não prejudiquem a organização social e o modus vivendi das comunidades fornecedoras. Outrossim, reacende a questão da importância das redes de produção e desenvolvimento, cujas existências têm contribuído para as vendas das comunidades. Nasce assim, a necessidade de se fortalecer e capacitar os produtores, suas comunidades e, por que não dizer, as empresas interessadas em fazer negócios com esse público.


Esta é uma tendência que tem suas origens na atuação política da agricultura familiar e vem refletindo nas práticas de comércio locais de empresas como a Natura, Beraca, 100% Amazônia, Coca Cola, L’Occitane, The Body Shop, Bony Açaí, dentre outras.


Nesse contexto, há que se observar: o próprio caminho da qualificação industrial dos produtos da agricultura familiar tem se tornado a base para novas formas de produção e construção de parcerias, mas, sobretudo, tem mudado significativamente o modelo de produção destas comunidades e, para elas próprias, representa um aprendizado que as tem catapultado para novos e, antes, impensados mercados.


Desta feita, o manejo das práticas agrícolas ocorrido em ambiente natural, deve ser associado à utilização de outros insumos agrícolas naturais (adubos verdes, biocontroladores de pragas, sistemas de compostagem etc.), tornando-se, assim, parte essencial do diferencial competitivo dos produtos.


Consequentemente, o cultivo deve ser realizado em áreas sem conflito de terras e com o apoio técnico da compradora, como parte do investimento no encadeamento produtivo com a agricultura familiar. Isto pode incluir também, o cultivo artificial em estufas, como hidroponia, é acometido por processos biológicos que não podem ser antecipados artificialmente como na indústria. Embora a natureza nesse caso esteja sob gerência humana, não significa que esteja sendo totalmente controlada.


No processo de produção agroecológica embarca-se em outra racionalidade, oposta, em muito sentidos, à racionalidade instrumental da produção industrial de larga escala. Entra-se na seara da racionalidade ambiental. Ainda que vividamente em expansão, esta racionalidade encontra obstáculos severos dentro da sociedade de mercado, do consumo em massa. Daí, surge a necessidade de repensar os destinos da produção e se voltar para mercados alternativos.


Aqui, destacam-se as feiras livres orgânicas, onde os produtores são os próprios comerciantes, não mais se vendo como feirantes, mas sim, expositores de produtos orgânicos. Outro canal expoente é a entrega direta ao consumidor (nascem muitos aplicativos para esse tipo de compra, em Belém existe a plataforma AUA, e, mais recentemente a Plataforma ViaFloresta, por exemplo). Há um crescente distanciamento dos meios de consumo de massa, e aqueles que decidem uma parceria mais longeva, logo se convencem em especializar todo o seu espaço para produtos de natura orgânica, vegana, low carb, light e outros tantos atrativos do marketing mundial.


Como orientadores de Planos de Venda e Aquisição de Clientes, devemos considerar os seguintes orientadores de expressão nacional e internacional:


a) Estilo de vida saudável: significando privilegiar relações ambientais que preservam a natureza e assim as práticas ecológicas se tornam estratégias ou trazem algo do próprio estilo de vida do agricultor. Trata-se de um alinhamento com os princípios da natureza, a alimentação precisa ser natural e a apenas quando se conecta a vida ao mundo natural, há qualidade de vida.


b) Produção de autoconsumo ou segurança alimentar e nutricional: aqui, o imperativo é a ausência de agrotóxicos. Segundo Barbosa (2013), ao analisar a agricultura ecológica praticada pelos agricultores familiares, percebe-se que está dirigida, principalmente, para a produção de alimentos, e conforme o levantamento deste autor, em especial, a grande parte da produção está focada em oleaginosas. Nesse sentido, no universo geral da agricultura familiar no Brasil indica que 41% dos produtores cultivam oleaginosas, 17% frutas; 8 % grãos, 8 % produtos de origem animal e 26% transformam seus produtos de forma artesanal, vendendo-os como agroindustrializados.


c) A reapropriação e preservação dos recursos naturais: no que tange às práticas dos agricultores ecológicos, há que notar que restabelecem o lugar da natureza no processo produtivo, com práticas diversas entre as quais o uso de compostagem que utiliza os resíduos gerados pela criação animal, geralmente associada à pequena propriedade familiar. Isso tudo, aponta para a reconstrução de ambientes onde a natureza é recuperada e restituída como recurso produtivo e como patrimônio a ser preservado. Podemos concluir, desta feita, que a prática agroecológica recupera princípios ecológicos de biodiversidade, de manejo do solo e da água, visando à preservação de seu potencial produtivo e, consequentemente, o equilíbrio e a sustentabilidade ambiental, fatores de extrema importância para a configuração de produtos mais competitivos.


d) O conhecimento como saber ambiental: identificou-se que os conhecimentos tradicionais, advindos das práticas de cultivo da agricultura familiar tem servido de base para identificação de novas espécies com valor comercial e com ativos inéditos em várias indústrias. Esta situação é especialmente visível na Amazônia, onde está localizada mais de 20% de toda a biodiversidade mundial. Desta forma, ganha relevo o processo de rastreabilidade e certificação das cadeias produtivas, o qual propicia um diálogo que contempla os saberes tradicionais e os saberes técnicos. As práticas participativas e de desenvolvimento sustentável, também têm permitido que se realize troca de saberes.


e) Agricultores ecológicos, novos atores de um mercado em ascensão: essa denominação traz a carga de uma nova compreensão sobre a relação destas populações com a natureza. A organização de redes de cooperação, não obstante, tem ganhado força e, mesmo algumas empresas multinacionais, como é o caso da Natura e da Coca Cola, tem apostado no apoio a estas redes, a ver o que ocorre na região do Baixo Tocantins, no Pará – com a Rede Jirau de Agroecologia e no Amazonas, na região de Carauari – Médio Juruá – com o Conselho de Desenvolvimento Local do Médio Juruá.


A ignição para a articulação e participação social das comunidades e famílias, nas redes de desenvolvimento, não ocorre por estímulo de políticas públicas, mas envolve uma reação coletiva, aos processos de massificação do mercado e da utilização de gêneros alimentícios produzidos com agrotóxicos e em larga escala.


Os projetos de encadeamento e adensamento das cadeias produtivas têm sido construídos com foco na resolução dos desafios que os meios de produção e as condições de mercado impõem. Um dos grandes combustíveis, neste sentido, é a intensificação das relações com o mercado. Uma produção agroecológica atrativa ao mercado deve lidar com a constante imposição do baixo custo oriundo da larga escala e, portanto, de um tipo de produção radicalmente contrária aos auspícios da segurança alimentar e da qualidade de vida.


Por esta razão, têm surgido novas formas de comercialização dos produtos de agricultura familiar, cujo principal atrativo é demonstração de origem, através da certificação da produção por participação social e não por auditoria, obrigatoriamente. Neste sentido, uma grande contribuição à legislação brasileira foi a legislação sobre produtos orgânicos (Decreto n.º 6.323 de dezembro de 2007, e as instruções normativas subsequentes).

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